sexta-feira, 19 de novembro de 2010

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

raspas

Rachadura. Racha a tão dura armadura e de sua dura arma um único som de cobre melancólico foge. O intenso vermelho jorrar do sangue à terra, aterram-se as garras e a rasa poça arrasa ar, asa. O que fora dentro, fora aloja-se. Restos sobre sobras, sobras entre raspas. Como que pudessem chorar, lacrimejam os olhos cravejados em infindável dor. À breve vista, avista nas aves a veraneio um bando que some e consome o inverno de suas pálpebras que fecham. Falta-lhe ar, voar. Aceita-se o ir, partir.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

megera

Baque. Lisos cabelos dourados, fá-los dançar, enquanto embaraço-me em tuas aglomeradas tranças de desprezo. Nove, oito, sete metros. Tua elegante superioridade cresce a cada passo de teu andar, ao passo que em meu andar circulam apenas fantasmas. Seis, cinco, quatro metros. Holofotes. Brilha tua aproximação, radiante e calorosamente, ao englobar de minha insolúvel miséria toda a plenitude, e tudo ao redor é nada. O Sol. Teu sorriso, exuberante como deuses inutilmente desejam ser. Foras tu sempre assim?
O perfume permanece o mesmo, que me gera -Três, dois, um metro.- Espasmos. Tu surges com outro, eu apresento-te à solidão.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

reino

Adormeço. A dor meço. Eis um castelo construído de meus pesares, bandeiras vermelhas-sangue alvoaçam na brisa novembrina. Novembro, doce... cedo. Surjo no sujo pátio, vislumbrando inalcançáveis e nunca-visitadas escadarias, e alcanço-as. Entre melancólicos portais, adentro por tais, encontro-me e me perco no saguão de minhas esquecidas lembranças. Envolto em pensamentos vários, surpreendo-me com o soar de mil cornetas e o galopar de quatro mil patas equinas anunciando a não-anunciada ascenção do almejado reino dos sonhos. Sou rei. Cara coroa no rei, rei no trono.
Vida longa ao rei.

sábado, 24 de outubro de 2009

espera

Começara com um beijo, e transformara-se algo superior. O sangue dentro de minhas veias...E penso em ninguém mais. Nunca houve de tanto acreditar, mas nisto acredito. Sou incompleto sem ti, e mataria por teus delicados lábios. Tudo tornou-se agora tão diferente, emoções incendeiam-me. Possuo um toque sem vida alguma, tal distância não deixa restarem dúvidas. Tanto receio de um todo, e, contudo, uma parte de mim ainda acredita. À medida que os anos vão-se embora, tu abres-me os olhos. Estou perdido, solitário, amedrontado e escondido. Tua ausência faz-me cego. Quando o mundo desmoronar, e os céus iniciarem sua queda; quando os dias forem longos e remotos, e minha pele petrificar; quando a dor parecer demais intensa, e surgir certa arritmia em meu coração. De nada preciso. Esperar-te-ei.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

dourado

"Por favor, cuida-te." Foram minhas últimas palavras, pouco antes que o operador fizesse-nos disconectados. Se tu puderes ouvir-me agora, sabe que tenho um solene voto: juro fazer o meu melhor para resolver esta situação.
Primeiramente, explicar-te-ei o porquê de ter causado tanta água, e jamais consertado o vazamento em um cano que acabou por afogar-nos sob nosso próprio teto. Um vazio copo não mente, logo preenchi-me o apetite, e cruzei os dedos para que uma boa divindade cuide de mim e de ti. Agora que descobri-te, amarrarei cordas ao teu redor, e certificar-me-ei de que qualquer garrafa nunca mais te importune. Prometo, dessa vez. Estou me desinfectando, sinceramente; para deixar claro que o mal não nos cause nenhum novo prejuízo.
Como desejo que tuas vitórias vendidas a mim houvessem sido por um bom pai, ao invés de um mentiroso sem qualquer importância. Sou eu assim tão velho, ignorante, ou lento demais? Para perceber a perda de meu bilhete dourado de volta para casa.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

anoitecer

Ao suave cair de uma tarde memorável, em nada impedem minha relutância contra o fim de tão lendário momento e meu desejo de eternamente permanecer neste cenário, que brusca e simplesmente apaga. Em uma gradativa e inconveniente obra do acaso, a doce brisa, sem prévio aviso, pára de soprar. Deita-te os sedosos cabelos, dissolve a agora antiga fragrância. Teu enrubesciado semblante é abandonado em um recente pretérito, e em seu lugar forma-se, em contraste, uma frívola e pálida expressão vazia. Desfaz-se o toque, a nova ausência de contato provoca-me a mais intensa e física dor. Minuciosos elementos próximos perdem o brilho e, sob uma total escuridão, escondem-se. Afunda a harmônica paz na terra gélida. Acompanhado, o lento fechar de teus não mais vistosos cílios faz desaparecer teu invisível sol, e preenche-te de plena apatia. Celebremos a noite.